domingo, 20 de junho de 2010
Lobistas do amianto vencem outra batalha na Câmara dos Deputados.
Matéria copiada DAQUI - O lobby do amianto conseguiu protelar, pela segunda vez seguida, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, a votação do relatório que pede o banimento do mineral no país. O produto, utilizado em larga escala na construção civil em telhas e caixas d’água, movimenta um mercado de R$ 3 bilhões anuais. De acordo com o texto que está na Câmara, o amianto provoca doenças respiratórias fatais, como câncer, e não há limites seguros para sua manipulação por trabalhadores. O acordo firmado entre a bancada pró-amianto e os ambientalistas previa a votação do relatório para ontem, mas uma série de manobras empurrou a decisão para daqui a 15 dias.
Há dois meses, os defensores do relatório pelo banimento do amianto tentam votar o estudo, mas uma série de chicanas regimentais da bancada favorável ao mineral adiam a discussão sistematicamente. Ontem, cerca de 30 ex-trabalhadores do setor, hoje doentes, viajaram 14 horas de Osasco (SP) a Brasília para acompanhar a votação, mas voltaram para casa frustrados. Defensores da extração controlada, como os deputados federais Ricardo Balestra (PP-GO) e Luiz Carreira (DEM-BA), criticaram o documento elaborado por Edson Duarte (PV-BA).
Segundo Balestra, os colegas necessitam de pelo menos 15 dias para analisar com mais profundidade a proposta. “Adiar a votação é quebrar um acordo. Quero que digam que tipo de interesse eleitoral eu tenho na matéria”, reagiu Duarte. O lobby em favor do amianto sustenta a extração controlada em cima de estatísticas econômicas. O setor emprega 170 mil pessoas em sua cadeia produtiva. A única mina em funcionamento no país praticamente sustenta o município de Minaçú (GO). Por isso, os principais defensores do amianto são parlamentares goianos.
Os deputados favoráveis à extração do mineral decidiram estender o debate por mais de uma hora, até o início da sessão ordinária da Câmara, para forçar o adiamento da decisão. A manobra surtiu efeito, mas irritou ex-trabalhadores do amianto e juristas. “Desde 1993 tramitam projetos pedindo o banimento do mineral, em vão. Para salvar 3 mil empregos, estamos condenando 1 milhão de pessoas. Quase 60 países de primeiro mundo, incluindo toda a União Europeia, proibiram o amianto. O país precisa definir uma política pública” reclamou a auditora do Ministério do Trabalho Fernanda Giannasi. A previsão é de que o relatório que pede o banimento do amianto só entre em pauta novamente no início de julho.
Pressão
O presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)(1), Eliezer de Souza, disse que já esperava pelo adiamento, mas afirmou que vai continuar pressionando os parlamentares via e-mail. “Estamos doentes, não podemos vir de ônibus toda a semana para o Congresso. Esse relatório é sério. A comissão tem a obrigação de acertar esse passivo ambiental e social com o país.” As doenças relacionadas ao amianto demoram até meio século para evoluírem a enfermidades fatais como o câncer de pulmão.
1 - Acordo desfavorável
De acordo com o advogado da Abrea, Mauro Menezes, as empresas que exploravam o mineral, como a Eternit e a Brasilit, adotaram a tática de fechar acordos desfavoráveis aos ex-trabalhadores para evitar indenizações polpudas aos ex-funcionários. “Ainda hoje, depois que esses trabalhadores morrem e nós vamos buscar uma reparação para a família, descobrimos que vários deles assinaram um termo de quitação de direito com as empresas por valores irrisórios”, denuncia Menezes.
(Por Ivan Iunes, Correio Braziliense, 17/06/2010)
Abaixo, vídeos da série AVISOS DA NATUREZA: LIÇÕES NÃO-APRENDIDAS, que mostra como algumas invenções e produtos muito utilizados no século XX trouxeram conseqüências negativas para a saúde do ser humano e para o equilíbrio do meio ambiente. nos três episódios, os males causados pelo amianto, um mineral tóxico que foi descoberto pela indústria da construção civil há cerca de 100 anos.
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A ameaça do amianto
Ullisses Campbell, Da equipe do Correio Brasiliense
Cerca de 2,5 mil brasileiros sofrem com doenças provocadas pelo minério utilizado na fabricação de telhas e caixas d’água. Ministério do Trabalho mostra que 20 mil pessoas têm contato direto com o produto no país
‘‘Os pobres estão mais expostos aos riscos do amianto, porque são os que utilizam telhas e caixas d’água de fibras de cimento’’ - Fernanda Giannasi, auditora do Ministério do Trabalho
O baiano Juvenal Moreira de Sousa, 56 anos, trabalhou a vida toda quebrando pedra. Começou aos 14 anos numa mina no município de Poções, Bahia. Cabia a ele e a outros 120 homens extrair amianto, um minério de estrutura fibrosa altamente cancerígeno, que se encontra encravado no seio das rochas conhecidas como serpentinito. Quando a mina de Poções minguou, em 1967, a empresa em que Juvenal trabalhava mudou-se para o município de Minaçu, em Goiás. Para não ficarem sem emprego, os mineradores migraram junto, de mala e cuia. Inclusive Juvenal.
De tanto inalar pó de amianto, Juvenal está internado em um hospital de Goiânia. Só respira com ajuda de aparelhos. Tem câncer de pulmão, tuberculose, pneumonia dupla, enfisema pulmonar e uma doença de nome tão esquisito quanto perigoso: asbestose. Tudo por conta do amianto, que inalado em forma de pó, aloja-se nos pulmões, transformando os dois órgãos em pedra.
Assim como Juvenal, outras 2,5 mil pessoas têm pelo menos uma das seis doenças que o amianto provoca. Levantamento realizado pelo Ministério do Trabalho atestou que 20 mil pessoas trabalham diretamente com amianto em 216 empresas no Brasil. Uma das maiores, a Eternit, atua cavando o solo brasileiro desde 1939 e tem quatro fábricas — no Paraná, Goiás, Rio de Janeiro e Bahia.
Indenizações
Em 1993, o uso do amianto no Brasil começou a ser questionado por ONGs de meio ambiente voltadas para a qualidade do trabalho. Desde então, a Eternit pagou 1.250 indenizações a trabalhadores por conta de seqüelas. E ainda há mais 1,3 mil ex-empregados à espera de indenização, segundo foi declarado pela própria empresa no Ministério Público do Estado de São Paulo. A Eternit é uma das pioneiras na fabricação de telhas e caixas d’água, principais produtos produzidos a partir desse mineral.
Segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a extração de amianto avança no país. Em 2003, a produção bateu recorde e chegou a 231,1 mil toneladas. Em relação ao ano anterior, o aumento foi de 18%. O preço médio no mercado doméstico também cresceu (29%). A tonelada custa em média R$ 1,1 mil.
Na guerra do amianto, os que defendem seu banimento ganharam um round na semana passada. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) baixou uma resolução considerando os resíduos desse mineral como lixo perigoso. Isso significa que os restos de amianto deverão ser depositados em aterro sanitário especial. Com isso, telhas e outras sobras de construção civil que contenham o mineral não poderão ser jogados fora em contêineres de entulhos para evitar contaminação.
Os governos de São Paulo, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul proibiram por conta própria o uso do amianto. Mas em todos os estados ainda se extrai o mineral. As empresas que fabricam manufaturados ganharam liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para continuar usando amianto em São Paulo e Mato Grosso do Sul. No Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, o governo deu um prazo que termina no fim de 2004 para as empresas substituírem o amianto por um mineral similar. Em Pernambuco, a proibição é recente e o prazo para abolir acaba no final de 2005.
O uso do amianto no mundo faz parte de uma batalha que parece não ter mais fim. De um lado, a indústria de manufaturados, que ainda não descobriu um isolante térmico tão eficiente e barato quanto o amianto. Do outro, ambientalistas, ONGs e empresas, com interesse em fabricar material substituto, como fibras de plásticos e vegetais, bombardeiam o uso do amianto com estudos e pesquisas alarmantes. Ainda assim, 38 países já baniram o uso desse mineral.
Em São Paulo, Sebastião Aparecido Alves, 68 anos, tem uma história comum a quem passou a vida processando amianto. Durante 30 anos, ele trabalhou em minas, na cidade de Osasco. No seu caso, há um agravante. Ele costumava levar para casa as sobras do minério. Com os restos, pavimentou o quintal e revestiu o forro com chapas lisas de amianto. Fez até estantes. Sebastião sofre de câncer no pulmão, tuberculose e já foi internado quatro vezes só neste ano.
Proibição
Há 65 projetos tramitando em assembléias legislativas de 12 estados pedindo que seja proibido o uso do amianto. No Congresso, outros dez projetos semelhantes foram reunidos ao proposto pelo deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ), que pede o banimento do mineral. ‘‘O amianto em seu estado natural não faz mal a ninguém. O problema começa quando o homem passa a processá-lo’’, explica o geólogo Fábio Von-Hommel, da Universidade Federal da Bahia.
Há 20 anos, a auditora do Ministério do Trabalho Fernanda Giannasi luta para banir o uso do amianto no Brasil. ‘‘Os pobres estão mais expostos aos riscos do amianto, porque são os que utilizam telhas e caixas d’água de fibras de cimento.’’ Ontem, Fernanda denunciou na Agência Nacional de Vigilância Sanitária que uma empresa em Alagoas está usando amianto na fabricação de cosméticos.
A fábrica de mísseis Avibras, com sede em São José dos Campos (SP), usa amianto na ponta dos foguetes. Desde que alguns países passaram a rejeitar tais mísseis, a Avibras passou a fabricar um similar feito de outros materiais. Só o Iraque compra os mísseis de amianto.
Um dos maiores defensores do uso seguro do amianto, o deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO) diz que há um exagero em relação ao assunto. Ele foi relator da comissão especial e deu parecer contrário ao projeto de Gabeira. Caiado e outros dois deputados que compuseram essa comissão receberam doação em dinheiro da empresa Sama, uma das maiores exploradoras de amianto no Brasil. ‘‘Todos os candidatos que concorreram em Goiás, inclusive o governador Marconi Perillo (PSDB), receberam dinheiro da Sama. Não vejo nada demais nisso. Recebi R$ 100 mil’’, ressalta Caiado. (UC)