domingo, 13 de fevereiro de 2011

UM POEMA DE CANCÃO

Sonho de Sabiá


Um sabiá diligente / Voou pela vastidão
Mas por inexperiente / Caiu em um alçapão.
Depois de aprisionado / Ficou mais martirizado
Pensando no seu filhinho. / Implume sem alimento
Exposto a chuva e ao vento / Sem poder sair do ninho.

Deram-lhe por seu abrigo / Uma pequena gaiola
Num casebre de um mendigo / Que só comia de esmola.
Só vivia cochilando / Com certeza imaginando
Sua liberdade santa./ Ia cantar não podia
Que a sua voz se perdia / Logo ao sair da garganta.

Tornou-se a pena cinzenta / No rigor do seu castigo
Na saleta fumarenta / Da casa do tal mendigo.
Triste sempre arrepiado / Neste viver desolado
Ia um mês. vinha outro mês,/ Assim completou um ano
Sentindo seu desengano / Nunca cantou uma vez.

Depois uma tarde inteira / O pobre do passarinho
Sonhou que ia à palmeira / Onde tinha feito o ninho.
Olhava em frente às campinas / Via por traz das colinas
A natureza sorrindo. / Ao sentir a liberdade
Pensou ser realidade/ Sem saber cantou dormindo.

Depois sonhou que voltava / A terra dos braunais
Por onde sempre cantava / Junto aos outros sabiás.
Voava nas ribanceiras / Pousava nas laranjeiras
Olhando o clarão do dia. / Voava através do monte
Voltava a beber na fonte /Que todas manhãs bebia.

No sonho via as favelas / Criadas nos carrascais
Voou baixo, pousou nelas, / Cantou os seus madrigais
Voltou, colheu os orvalhos, / Que gotejavam dos galhos
Dos frondosos jiquiris. / Alegre abria a plumagem
Pra receber a bafagem / Das manhãs do seu país.

Foi a terra dos palmares / Atravessou toda flora
Voou por todos lugares / Que tinha voado outrora.
Passou pelos mangueirais / Entre outros sabiás
Cantou sonora canção. / O seu som melodioso
Estava mais pesaroso/ Devido a sua emoção.

Viu a vinda do inverno/ Nos quadrantes da paisagem
Ouviu o sussurro terno / Do bulício da folhagem.
Cantou todo arrebol / O brilho morno do sol
Morrendo nos altos cumes. / Sentia quando cantava
Que seu coração chorava / Com mais tristeza e queixumes.

Sonhou catando sementes / Num campo vasto e risonho
Se sentia tão contente / Que sonhou que fosse um sonho.
Olhava pra vastidão / Tocava em seu coração
Um regozijo profundo / Todas delícias sentia
Às vezes lhe parecia / Vivendo fora do mundo.

Voou por entre os verdores / Atravessou as searas
Cantou pelos resplendores / Das manhãs frescas e claras.
Passou pelo campo vago / Bebeu das águas do lago
Posou sobre os arvoredos. / Entrou pelo bosque escuro
Aí sonhou um futuro / Tão triste que teve medo.

Depois sonhou que estava / Trancado em uma gaiola
Ouvindo alguém que cantava / Na porta pedindo esmola.
Ao despertar de momento / Reparou seu aposento
Ouviu falar o mendigo. / Fechou os olhos pensando
Sentiu seu íntimo chorando / No rigor do seu castigo.

Ainda em vão procurava / Sair daquela prisão
Seu olhar denunciava / Piedade e compaixão.
Ao pensar na liberdade / A mais pungente saudade
Devorava o peito seu / Assim o cantor da mata
Ferido da sorte ingrata / No outro dia morreu.
-

Sobre o poeta CANCÃO



João Batista de Siqueira,  poeta mais conhecido por Cancão, nasceu em São José do Egito, a 12/05/1912. Em 1950, deixou de participar de cantorias de viola e dedicou-se apenas à poesia escrita. Sua obra já foi classificada pelos críticos como uma versão popular à poesia de poetas românticos como Castro Alves, Fagundes Varela ou Cassimiro de Abreu. Freqüentou a escola por pouco tempo ("não cheguei ao segundo livro" dizia ele) e foi, também, Oficial de Justiça em sua cidade, onde morreu dia 05/07/1982. 

Livros publicados: "Meu Lugarejo”, Gráfico Editora Nunes Ltda, Recife, 1978; "Musa Sertaneja" e "Flores do Pajeú". Folhetos de Cordel de sua autoria: "Fenômeno da Noite", "Mundo das Trevas", "Só Deus é Quem Tem Poder".
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