O prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas surgiu em 1927. Naquele ano apenas filmes mudos foram indicados. No ano seguinte, só os falados. Mais tarde, filmes coloridos. Levou 13 anos para a primeira pessoa negra levar um prêmio de atuação para casa. E o que parecia ser uma revolução e uma abertura de mentes definitiva tornou-se um evento isolado na história da Academia, que só repetiu a dose após mais de duas décadas.
As primeiras 55 edições
1940 é um ano histórico para o cinema estadunidense, não só porque todos os filmes indicados em 1939 se tornaram grandes clássicos do cinema, mas porque pela primeira vez em 13 anos de Oscars uma negra estava presente na cerimônia sem ser para servir mesas ou limpar o chão. Hattie McDaniel foi a inesquecível Mammy de “E o vento levou”. Essa papel deu a ela o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Ela sequer ia ser convidada para a cerimônia. Acabou sendo, mas sem poder se misturar. Foi obrigada a sentar no canto, no pior lugar. Ganhou o prêmio e foi aplaudida por todos — com “todos”, entendem-se “as centenas de pessoas brancas que lá estavam” — numa das mais icônicas sambadas na cara da sociedade que uma mulher negra já deu.
Aquela foi uma noite histórica. E levou 23 anos para um segundo ator negro levar um Oscar de atuação. Em 1964, Sidney Poitier tornou-se o primeiro ator negro a conquistar a estatueta de Melhor Ator pelo filme “Uma voz nas sombras”. E o fato só voltaria a se repetir quase 20 anos depois, quando Louis Gossett Jr. levou o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, em 1983, por “A força do destino”.
Vocês estão contando comigo? Em 55 edições do Oscar, TRÊS atores e atrizes negros foram premiados. A primeira, Hattie McDaniel, morreu em 1952 e não pode ser enterrada onde desejava porque era negra. Sidney Poitier hoje tem 88 anos e foi o primeiro negro a receber um Oscar honorário (em 2002) pelo conjunto de seu trabalho. O cara também foi um recordista no Festival de Berlim (ganhou 3 Ursos de Prata) e ainda foi embaixador. Louis Gossett Jr. está há uns anos sem fazer trabalhos destacáveis.
De 1990 pra cá
Aí chegou a década de 90 (sim, 9 anos depois do último vencedor) e Denzel Washington (Ator Coadjuvante) foi ovacionado no palco por “Tempo de Glória”. Whoopi Goldberg (Atriz Coadjuvante) levou seu Oscar em 1991, por “Ghost”. 6 anos depois, Cuba Gooding Jr. foi agraciado como Melhor Ator Coadjuvante por sua performance em Jerry Maguire. Veio o Século XXI, mas só em 2002 atores negros foram premiados. Halle Berry se tornou a primeira atriz negra a receber o Oscar de Melhor Atriz por “A última ceia” (sim, na 75ª edição) e Denzel Washington ganhou sua segunda estatueta, novamente de Ator Coadjuvante, por “Dia de treinamento”.
Mais tarde, em 2005, foram Jamie Foxx (Melhor Ator por “Ray”) e Morgan Freeman (Melhor Ator Coadjuvante por “Menina de Ouro”). Em 2007, Jennifer Hudson, em seu primeiro filme (Atriz Coadjuvante por “Dreamgirls”) e Forrest Whitaker (Melhor Ator por “O último rei da Escócia”). Em 2010, Mo’Nique arrasou muito em “Preciosa” e levou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante pra casa. Em 2012, foi a vez de Octavia Spencer, mais que merecidamente, ser consagrada como Melhor Atriz Coadjuvante por “Historias Cruzadas”. Em 2014, Lupita Nyong’o recebeu seu Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “12 anos de escravidão”. Foi a primeira vez em 87 anos que um filme dirigido por um negro levou Melhor Filme no Oscar.
“Então agora já tá tudo igual, né?”
De 2000 pra cá mais atores negros venceram o Oscar do que em todo o Século XX. Isso não indica que não há mais racismo em Hollywood. Aliás, as condições ainda estão muito, mas muito longe de serem igualitárias. Se a gente fizer uma média de 4 pessoas ganhando Oscar por atuação a cada edição do Oscar de 1927 a 2015, isso dá o total de 352 atores (176 atores e 176 atrizes). De 352, 14 são negros.
De forma alguma esse número revela falta de competência ou de talento das atrizes e atores negros em Hollywood, mas sim a falta de oportunidade da qual Viola Davis falou quando recebeu seu Emmy por “How to get away with murder?”. A esmagadora maioria dos blockbusters americanos foram protagonizados por brancos e com um elenco de apoio branco. A maioria dos grandes produtores? Brancos. A maioria dos donos de estúdios e suas diretorias? Brancos. O racismo está incrustado na grande indústria Hollywoodiana e é comum vermos que as “grandes apostas” do cinema norte-americano são brancos, que raramente fogem de um padrão de beleza caucasiano e segregador. Aí vem um tal de George Lucas e põe uma mulher e um negro para protagonizar capítulos de uma das maiores sagas da história do cinema… E isso “divide opiniões”. Bem que os sexistas e racistas podiam ganhar uma passagem só de ida para uma galáxia muito, muito distante, né?
E não se trata apenas de aumentar a quantidade de papeis para pessoas negras, mas dar a elas personagens que não reforcem estereótipos. Exemplo: dos papeis que renderam Oscar a atores e atrizes negros de 1927 pra cá, em pelo menos 10 casos identifiquei que os personagens vivem em situações nada privilegiadas e, em alguns, humilhantes. Sim, é ficção, mas, no fim, isso ajuda a reforçar uma imagem racista de que negro é submisso e/ou desonesto. Entre os personagens há escravos, empregados domésticos pós-escravidão, desempregados, malandros e corruptos. 10 de 15 (visto que o Denzel ganhou Oscar duas vezes).
Quando um negro ganha um Oscar ou qualquer grande premiação audiovisual mundial a comemoração é dupla: primeiro pelo excelente desempenho e segundo por ser a entrega de uma premiação justa pra quem, historicamente, quase nunca ganha. Mas deveria ser tripla, isso se os papeis fugissem da mesmice. E a indústria cinematográfica americana, que tanto consumimos e admiramos, pode fazer mais e melhor na questão da igualdade racial. Ela ainda é uma ilusão — e não só em Hollywood. Hollywood é só uma vitrine dos hábitos e da moral da sociedade. Esse texto é sobre a sociedade em que vivemos.