sábado, 25 de setembro de 2010

Al Jazeera in English vai ao interior do Nordeste brasileiro conhecer o programa de combate a fome que é modelo para o mundo

Do Blog MARIA FRÔ


Leia na íntegra esse impressionante artigo da Al Jazeera em inglês, onde um repórter vai para o semi-árido pernambucano ver a verdadeira revolução que está ocorrendo no Brasil.
Eu duvido muito que a mídia velha e carcomida brasileira, que adora o ar condicionado de suas redações, faça um dia uma matéria como esta. Como os jornalistas de aquário não conhecem o Brasil, o país que eles defendem é um Brasil muito particular. Quando esta imprensa que não nos diz mais nada abrir os olhos, vai se sentir ainda mais estrangeira no Brasil.


Combatendo a fome do jeito brasileiro
por Gabriel Elizondo, na Al Jazeera in English.
A tradução para o Maria Frô é do @diegocasaes

Jose Rufino Sobrinho. Foto: Maria Elena Romero/Al Jazeera

Pela natureza de nosso trabalho, enquanto jornalistas tendemos a frequentemente contar histórias sobre coisas que estão “quebradas” e não funcionam no mundo.

Então contar uma história sobre algo que não está quebrando e funciona muito bem acaba sendo uma boa divergência.

Foi isso que me levou à pequena cidade de Mirandiba, no Brasil, recentemente.

Com uma população de 13.810, a cidade se situa no interior do estado de Pernambuco, a aproximadamente 500km de distância da capital Recife.

Mirandiba é uma das cidades mais pobres em todo o Brasil, onde 76% da população vivem com menos de metade de um salário mínimo por mês.

Não há praticamente nenhuma indústria por lá. Para piorar as coisas, a cidade está no coração da região semi-árida do Brasil, onde na maior parte do ano o sol cozinha a paisagem de terra batida.

Mirandiba é, de certo modo, um lugar típico e imperdoável no nordeste do Brasil, de onde no passado as pessoas tinham de fugir para buscar empregos decentes.

Mas agora isso está mudando e é por isso que vim para cá.

Mirandiba está se tornando um exemplo reluzente do renomado programa Fome Zero do Brasil, implementado no início da década pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ele mesmo tendo sofrido com a fome enquant criança).

O governo brasileiro possui mais de 50 diferentes iniciativas de administração, de vários ministérios, que combatem a pobreza, sendo a iniciativa intitulada Fome Zero a pedra fundamental.

Dito isso, o governo investiu mais de US$9 bilhões somente no ano passado nesse esforço.

O que faz do Brasil único nesse sentido é como combater a fome e melhorar a segurança alimentar não é somente um elemento de uma campanha anti-pobreza mais ampla (como em outros países), mas ao invés disso, lutar contra a fome é visto no Brasil como a base de todas as outras iniciativas contra a pobreza.

Todas as iniciativas anti-pobreza, de um modo ou de outro, brotaram dos programas Fome Zero.

Esse modo de compreensão da questão da fome têm tido resultados: nos últimos 10 anos o Brasil cortou em 50% o número de crianças abaixo do peso e está no caminho para também cortar os níveis gerais de fome pela metade.

O país está no caminho para atingir uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio da ONU sobre a fome antes do prazo em 2015.

Como resultado disso, o Brasil cortou os níveis de pobreza em 21 milhões de pessoas em 2003 para 8.9 milhões atuais, de acordo com estatísticas amplamente aceitas do governo e ratificadas por ONGs.

No início do ano, o Congresso Brasileiro inseriu o “direito à alimentação” como um direito fundamental na constituição.

Recentemente, a ONG que luta conta pobreza ActionAid publicou um relatório intitulado “Caderno de Pontuação Livre da Fome”, no qual eles colocaram o Brasil como líder mundial entre os países em desenvolvimento no combate à fome pelo segundo ano consecutivo.

O exemplo Mirandiba

Em Mirandiba, muitas das políticas governamentais anti-fome podem ser vistas em prática.

Não se trata de dar comida; as políticas como um todo são muito mais complexas e interconectadas.

É basicamente assim: Em Mirandiba, o governo local, apoiado com financiamento do governo federal, encorajou a agricultura de pequena escala ao fornecer sementes e know-how para os habitantes da cidade.

O crescimento da produção deve ser o primeiro passo para melhorar a produção de alimentos para quem planta e para sua família e evitar os custos associados com a compra de comida do supermercado.

Mas então o governo basicamente fala para os fazendeiros de Mirandiba: “Juntem-se à nossa cooperativa e qualquer dos produtos que você não usar para sua família –independentemente do que sobrar—nós compraremos de você.”

Então, a cada segunda-feira, na cidade de Mirandiba, pequenos fazendeiros e famílias produtoras trazem seus produtos para o Mercado onde são vendidos para outros compradores de hospitais locais, escolas e organizações da sociedade civil –que em troca usam o produto para ajudar alimentar pessoas com fome.

Crianças em Mirandiba agora consomem alimentos saudáveis de colheitas locais na escola. Foto: Maria Elena Romero/Al Jazeera.

No Mercado, nenhum dinheiro é usado. Em troca, registros escritos à mão são mantidos a respeito do quando produzido é vendido, de quem para quem, e no final do mês o fazendeiro pode ir até o escritório de uma ONG local e coletar seu cheque de pagamento do governo.

“Esse é um passo muito importante, porque as famílias que simplesmente recebem alimentação gratuita se tornam dependentes dessa ajuda alimentar, então o que tentamos fazer é diferente,” diz Dorivaldo de Sé, líder da ONG local ConViver, que gerencia o programa no âmbito local com o apoio da ActionAid Brasil.

“Nós damos a família produtora incentivos para produzir não somente para si mesmos como também para a comunidade.

“O pouco que eles vendam, mesmo se for muito pouco, é um dinheiro muito importante pois com ele as famóílias compram medicamentos, roupas e sapatos.”

Dorivaldo de Se, que chefia a ONG ConViver em Mirandiba, ajuda a implementar os programas de agricultura familiar do governo em nivel local. Foto: Gabriel Elizondo/Al Jazeera

É uma situação na qual todos ganham. O governo compra produtos frescos à um preço razoável de cultivadores locais ao invés de comprar de grandes fazendas agro-industriais.

O dinheiro permanence na comunidade. E as as famílias locais de cultivadores ganham uma renda extra (a maioria da qual é reinvestida no seu pedaço de terra para mais produção).

“Antes as coisas eram mais difíceis para nós, mas quando essa cooperativa começou, as coisas ficaram bem melhores,” me disse Adilson do Santo, um dos fazendeiros da cooperativa local.

“Antes, quando queríamos ganhar algum dinheiro, tínhamos de sair, ir bem longe, para conseguir algum emprego. Mas agora não temos de ir à lugar algum para trabalhar além do nosso pedaço de terra.”

Mas o governo deu um passo adiante, e também instalou reservatórios de água de cimento na superfície nas terras dos fazendeiros que se juntaram à cooperativa como forma de garantir que eles tenham água suficiente para sua produção durante os períodos de seca.


Produção no mercado local em Mirandiba, onde uma vez por semana as famílias de fazendeiros podem vender sua colheita para escolas locais e hospitais. Foto: Maria Elena Romero/Al Jazeera

Os reservatórios de água, do Ministério da Agricultura, estão todos carimbados com uma logo do “Fome Zero”.
“As coisas estão muito secas agora, mas os tanques de água me permitem saber que terei a água que preciso para passar o ano,” disse Angelo da Silva, outro fazendeiro.
Três dos oito filhos do Sr. Silva deixaram Mirandiba em busca de trabalho antes da cooperativa existir.
Mas agora ele espera que as gerações futuras de crianças possam ficar na cidade, expandindo suas cooperativas. Deixar Mirandiba em busca de trabalho será uma escolha, não mais uma necessidade, ele diz.

Poder da mulher

O programa se tornou tão bem sucedido em Mirandiba que deu margem à comunidade/cooperativas populares.
Há cerca de duas horas da cidade de Mirandiba está a comunidade de Croatá, lar de “pouco mais que 20 famílias,” como me disseram enquanto visitava a comunidade.

Teresinha Leite da Silva cuida de sua plantação, que posteriormente será vendida. Foto: Maria Elena Romero/Al Jazeera.

Aqui, as famílias, que na maioria têm parentesco, uniram forças para tornar as 20 pequenas famílias de fazendeiros em uma cooperativa de tamanho médio.

Os homens e mulheres dividem as tarefas de trabalho na terra. Os homens são encarregados de organizar o transporte dos produtos para o mercado em Mirandiba todas as semanas. As mulheres gerenciam as finaças e organização da comunidade.

Mais de 50% dos pequenos fazendeiros que participam da cooperative em Mirandiba são mulheres, como Teresinha Leite da Silva, 29, que tem um pequeno pedaço de terra mais ou menos do tamanho da metade de um campo de futebol.

Ela planta vegetais, batatas e ervas com seu marido e seus sogros.

“Nós cultivamos, levamos ao Mercado para vender, e depois esperamos pelo nosso dinheiro, um cheque que recebemos em um determinado dia de cada mês na ConViver (a ONG local),” ela diz.

“Isso é bom porque antes nós trabalhávamos mas nunca vendíamos nada. Não havia mercado. Hoje, sabemos que haverá um comprador para nossa produção, é garantido.”

Ela e sua família não estão, de forma alguma, ricos. Mas certamente melhor agora do que antes, ela diz.
Eu tirando uma foto de uma família na comunidade de Croatá, onde todas as mulheres –jovens e idosas—ajudam com a cooperativa de agricultura de alguma forma. Foto: Maria Elena Romero/Al Jazeera.

“O programa melhorou a ingestão nutricional, criou autonomia, gerou renda, e muitos aprenderam pela primeira vez o que era dinheiro,” disse Dorivaldo de Se, da ONG local ConViver.

“Equilibrou as questões de gênero, e aumentou a produção de frutas e vegetais. Eu acredito que o programa Fome Zero nos faz pensar sobre fome de um modo diferente e sobre o potencial que temos para combatê-la.
“Eu me pergunto: Porque as pessoas passam fome no mundo? Talvez porque não temos uma iniciativa para ensinar as pessoas a produzirem.”
De Se diz que está expandido o programa para que as famílias de comunidades próximas que continuam com fome possam aprender com as outras famílias a como começar a produzir localmente.

Apesar de todos os progressos, ninguém está dizendo que o Brasil acabou com a pobreza no país.

Ainda há milhões de pessoas aqui que não têm o suficiente para comer. Tudo o que se precisa fazer é ver o recente documentário do cineasta brasileiro Jose Padilha, Garapa, para entender esse fato (leia uma sinopse do filme e assista o trailer aqui (em inglês)).
Mas os passos que foram dados nesse país não são contestáveis. O que está acontecendo em Mirandiba está sendo replicado em todo o Brasil.

“São inegáveis os avanços contra a fome obtidos pelas políticas sociais dos últimos anos, muitas das quais são o resultado de propostas de proporções históricas pela sociedade civil,” disse Rosana Heringer, diretora executiva da ActionAid Brasil.

“A previsão para o Brasil é que esse ritmo seja mantido nos próximos anos e a pobreza extrema seja erradicada do país em 2010.”

Se este for o caso, um grande “porquê” para isso será graças aos programas do governo apoiados por ONGs em lugares remotos no interior do Brasil.

Onde grandes ideias contra a fome foram encaminhadas por pessoas importantes em lugares distantes –e ainda assim implementadas em pequena escalas por pessoas humildes—estão mudando vidas para melhor.

Em lugares como Mirandiba.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...