O semi-árido brasileiro, com quase um milhão de km2, praticamente se confunde espacialmente com o bioma caatinga. Se é um semi-árido, significa que tem uma pluviosidade entre 300 e 800 milímetros por ano e um solo que não é deserto em sua composição. Vale lembrar que a pluviosidade média é de 750 milímetros por ano, embora variada no tempo e no espaço, o que significa a precipitação de aproximadamente 750 bilhões de metros cúbicos de água todos os anos sobre o semi-árido. Essa precipitação é segura. Por isso, ele é o mais chuvoso e mais populoso entre os biomas do gênero do planeta. O que falta à população é o acesso a uma capacidade de infra-estrutura capaz de guardar essa água dos tempos chuvosos para os tempos que não chove. Esta é uma tarefa do Governo. De toda essa água que cai, temos infra-estrutura para armazenar apenas 36 bilhões de metros cúbicos. Os restantes 720 bilhões se perdem para o mar ou pela evaporação.
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Como sustentar a indústria da seca senão existir a seca? Não pensem a indústria da seca como apenas a do carro pipa. Esse é seu primo pobre. A principal é a das grandes obras feitas em nome do povo, mas que enriquecem uma elite restrita e privilegiada. Esse é o dilema que se encontra a nova oligarquia Nordestina, justamente quando ela propõe a maior de suas obras, que transita da indústria da seca para o agro e hidronegócio no Nordeste, isto é, a transposição do rio São Francisco. Primeiro conseguiram dividir o semi-árido em dois, como se os problemas e desafios fossem apenas do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Insistem em ignorar que Bahia, Sergipe, Piauí, Alagoas, Maranhão e Norte de Minas têm os mesmos desafios. Esquecem ainda que a região mais pobre de água do Brasil – embora ainda esteja num nível suficiente segundo padrões da ONU – é o sertão pernambucano. Portanto, pasmem, a região mais pobre de água do Brasil encontra-se no Vale do São Francisco.
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Pessoas costumam ir a Juazeiro/Petrolina e se encantar com o que vêem; isto é, a produção de frutas irrigadas (praticamente reduzidas hoje à uva e manga) e com o verde das áreas irrigadas. Costumam propor essa vitrine como modelo para o resto do Nordeste. Porém se esquecem, ou desconhecem, que os estudos da Embrapa indicam que apenas 5% dos solos do semi-árido são irrigáveis e existe água para irrigar apenas 2%. Portanto, 95% do semi-árido serão sempre semi-árido. Ainda mais, a agricultura de sequeiro, juntamente com a criação de animais de pequeno porte, embora abandonada, é quem põe a mesa do nordestino. O feijão, mandioca, a carne de bode, de galinha, etc., tudo vem da agricultura familiar de sequeiro, não da irrigada. Por mais saborosas que sejam, ninguém vive de chupar manga e uva. Se a irrigação tem um papel, ele sempre será restrito e jamais generalizável.
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Um bom marketing da transposição exigia uma satisfação aos críticos de sua concentração de terra e água, por conseqüência, de poder. Como resposta, o governo acena com assentamento de reforma agrária ao longo dos canais da transposição. É um presente de grego. Ali o cristalino está à flor da terra. Em outros termos, é pura pedra, salvo pequenas manchas férteis. Enquanto oferecem essas terras para assentamentos, o grande capital já se movimenta no vale do Apodi (Rio Grande do Norte) e ao longo dos canais na Paraíba, procurando o povo para adquirir suas terras. Os pequenos agricultores do Apodi e da Paraíba estão preocupados com seu próprio destino. Não é para menos. Em Juazeiro e Petrolina, os pequenos proprietários foram postos de fora, perderam suas terras para os empresários estrangeiros, do sul e do sudeste. Hoje formam um exército de mão de obra barata na cana e na fruticultura irrigada, morando nas periferias dos perímetros irrigados ou nos bairros periféricos das duas cidades. O que se desenha para o futuro está evidente: grandes volumes de água e melhores solos para os empresários do agro e hidronegócio. Para o povo, as pedras.
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Como sustentar a indústria da seca senão existir a seca? Não pensem a indústria da seca como apenas a do carro pipa. Esse é seu primo pobre. A principal é a das grandes obras feitas em nome do povo, mas que enriquecem uma elite restrita e privilegiada. Esse é o dilema que se encontra a nova oligarquia Nordestina, justamente quando ela propõe a maior de suas obras, que transita da indústria da seca para o agro e hidronegócio no Nordeste, isto é, a transposição do rio São Francisco. Primeiro conseguiram dividir o semi-árido em dois, como se os problemas e desafios fossem apenas do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Insistem em ignorar que Bahia, Sergipe, Piauí, Alagoas, Maranhão e Norte de Minas têm os mesmos desafios. Esquecem ainda que a região mais pobre de água do Brasil – embora ainda esteja num nível suficiente segundo padrões da ONU – é o sertão pernambucano. Portanto, pasmem, a região mais pobre de água do Brasil encontra-se no Vale do São Francisco.
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Pessoas costumam ir a Juazeiro/Petrolina e se encantar com o que vêem; isto é, a produção de frutas irrigadas (praticamente reduzidas hoje à uva e manga) e com o verde das áreas irrigadas. Costumam propor essa vitrine como modelo para o resto do Nordeste. Porém se esquecem, ou desconhecem, que os estudos da Embrapa indicam que apenas 5% dos solos do semi-árido são irrigáveis e existe água para irrigar apenas 2%. Portanto, 95% do semi-árido serão sempre semi-árido. Ainda mais, a agricultura de sequeiro, juntamente com a criação de animais de pequeno porte, embora abandonada, é quem põe a mesa do nordestino. O feijão, mandioca, a carne de bode, de galinha, etc., tudo vem da agricultura familiar de sequeiro, não da irrigada. Por mais saborosas que sejam, ninguém vive de chupar manga e uva. Se a irrigação tem um papel, ele sempre será restrito e jamais generalizável.
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Um bom marketing da transposição exigia uma satisfação aos críticos de sua concentração de terra e água, por conseqüência, de poder. Como resposta, o governo acena com assentamento de reforma agrária ao longo dos canais da transposição. É um presente de grego. Ali o cristalino está à flor da terra. Em outros termos, é pura pedra, salvo pequenas manchas férteis. Enquanto oferecem essas terras para assentamentos, o grande capital já se movimenta no vale do Apodi (Rio Grande do Norte) e ao longo dos canais na Paraíba, procurando o povo para adquirir suas terras. Os pequenos agricultores do Apodi e da Paraíba estão preocupados com seu próprio destino. Não é para menos. Em Juazeiro e Petrolina, os pequenos proprietários foram postos de fora, perderam suas terras para os empresários estrangeiros, do sul e do sudeste. Hoje formam um exército de mão de obra barata na cana e na fruticultura irrigada, morando nas periferias dos perímetros irrigados ou nos bairros periféricos das duas cidades. O que se desenha para o futuro está evidente: grandes volumes de água e melhores solos para os empresários do agro e hidronegócio. Para o povo, as pedras.
TRECHOS do artigo "Na Guerra da Transposição não há inocentes" Por Marina dos Santos, Roberto Malvezzi e Temístocles Marcelos . Leia texto completo AQUI