sexta-feira, 20 de abril de 2007

21 de abril- UMA HISTÓRIA DE TRAIÇÃO e A TRAIÇÃO DA HISTÓRIA


Sempre me perguntei, desde as primeiras lições de História do Brasil na sala de aula, por que Tiradentes foi o escolhido, dentre tantos que tivemos, como mártir da luta pela independência do Brasil? Por que 21 de abril é feriado nacional e não outras datas mais significativas?

Não é de hoje que nossa gente tem memória curta e pouca consideração por sua História; não é de hoje que a elite nacional manipula esses ingredientes de acordo com suas conveniências.

Por isso acabei de ler com grande satisfação o livro A IDEIA REPUBLICANA NO BRASIL, co-edição do Ministério da Educação e da Fundação Joaquim Nabuco, de 1990, reunindo uma série de pronunciamentos e artigos do Major pernambucano José Domingues Codeceira a propósito da exaltação da Inconfidência Mineira como símbolo da luta republicana, em detrimento da história e do pioneirismo dos pernambucanos.

Na apresentação do livro, o jornalista Leonardo Dantas já esclarece a injustiça:

Proclamada a República, eis que os guardiões das tradições libertárias de Pernambuco esperaram um melhor tratamento dos responsáveis pela preservação da memória histórica da Pátria Brasileira. Por cultuar um ideário nativista desde os tempos da guerra contra a Holanda (1630-1654), quando, sozinhos, lutaram contra as bem municiadas e adestradas tropas da Companhia das Índias Ocidentais e por sua participação nos movimentos libertários de 1710, 1817, 1824 e 1848, os nascidos em Pernambuco se julgam diferenciados dos habitantes das demais províncias. O seu território mutilado, a memória de sua gente e o sangue dos seus mártires estavam a reclamar um melhor tratamento pelos, então, dirigentes da República Federativa que se desejava implantar.
(***)
Os titulares da nova ordem, preocupados com a estabilização do regime, fizeram-se de surdos aos clamores, preferiram ignorar as razões do Direito para não tomar conhecimento dos clamores dos pernambucanos .Nos mapas que o mutilaram, para fixar a imagem do poeta João Cabral, Pernambuco foi condenado a permanecer horizontal pagando pelo crime de ter sido republicano bem antes das demais províncias.
Os brios dos pernambucanos, porém, não puderam suportar quando o Governo Provisório da República resolveu, em 1890, através de um decreto, considerar como data nacional o 21 de abril consagrado à comemoração dos precursores da independência brasileira resumidos em Tiradentes.(***)


Daí vieram os pronunciamentos e artigos de Codeceira, como o seguinte, publicado à época no Diário de Pernambuco:

(***) tive ocasião de erguer um brado de solene protesto (***) quando o governo provisório da República considerava, por um decreto, dia de festa nacional o 21 de abril, consagrado à comemoração dos precursores da independência brasileira resumidos em Tiradentes.
Tendo assim procedido não posso deixar que passe em silêncio o vosso anúncio, convidando o povo pernambucano e o governo do Estado a vos acompanhar na festa cívica que pretendeis fazer em homenagem à memória do centenário de Tiradentes, por ter sido o primeiro sangue popular que irrigou a árvore da liberdade no solo brasileiro!.

(***) Não! Mil vezes não! Esta glória pertence somente ao pernambucano Bernardo Vieira de Mello, e àqueles que o acompanharam na jornada do ato solene manifestado no glorioso dia 10 de novembro de 1710, no Senado da cidade de Olinda. (***) primeiro movimento armado para a independência nacional e forma do governo republicano (***) Este ato cívico e de arrojado patriotismo deu lugar a um terrível massacre na família pernambucana, subindo a 722 o número de suas vítimas que com seu generoso sangue saturaram o solo da pátria, regando com ele a soberba árvore da liberdade, por eles plantada pela primeira vez no solo americano.(***)

Se Tiradentes foi um mártir da liberdade, não foi por certo o primeiro a irrigar a árvore da liberdade com o generoso sangue popular como dizeis no vosso anúncio. Esta glória cabe somente aos pernambucanos nossos avós.
Deixai que Minas e a Capital Federal, mesmo que todo o Sul enfim, não tendo outro mártir que derramasse o seu sangue, por amor à liberdade, festejem o centenário deste único, o Tiradentes; porque eles não se ocupam em festejar os nossos; e nem mesmo os conhecem.

O pobre Tiradentes a não ser o gênero da morte que lhe deram, não teria sido um mártir, apenas passaria, na história, por uma vítima inocente da sua imprudência e loquacidade; visto que a Inconfidência Mineira nunca passou de uma conjuração de poetas (***)
Tiradentes morreu como um bom católico e não como o herói padre Roma, apontando o coração àqueles que tinham de o fuzilar: Aqui é o centro da vida (***) recusara nobremente a proteção que lhe queria dar o Conde dos Arcos, insinuando-o a que negasse a sua firma; lhe respondia reconhecendo e confirmando a assinatura do seu nome como secretário da junta governativa!

Senhores da União Cívica, é preciso não esquecer os nomes dos pernambucanos, que pelo seu civismo se tornaram beneméritos da pátria, bem como dos nossos irmãos do norte, que sempre nos acompanharam no esforço e no martírio pela liberdade nas revoluções de 1710, 1817 e 1824.

Pertenceis à União Cívica e deixastes passar despercebido não só o dia 10 de novembro, como o glorioso 6 de março, um dos maiores dias para Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará! (***)

Apenas comemorastes o 13 de janeiro, aniversário da morte do herói Caneca, com uma festa pálida. Se a este herói fosse permitido ressuscitar, cobriria hoje a cara de vergonha e daria as costas a filhos tão degenerados. (***)
Como se tem degenerado a raça pernambucana! É força confessá-lo.
Não é, portanto, de estranhar que a União Cívica também procure hoje esquecer o martírio que sofreram seus antepassados, antes da Inconfidência Mineira, para dar essa glória a Tiradentes!

(***) lembrai-vos que nesta cidade acabou nas mãos do algoz, em 1817, o benemérito patriota Domingos Teotônio, com firmeza e heroísmo (***) assim também acabaram Barros Lima, padre Teotônio, Antônio Henrique, Amaro Gomes, Inácio Leopoldo, padre Antônio Pereira, José Peregrino e Francisco Silveira; pernambucanos e paraibanos.
A todos estes foram cortadas as cabeças e mãos, e os troncos amarrados à cauda de cavalos e arrastados pelas ruas da cidade (***).
Em 1824 foram aqui fuzilados Frei Caneca, Lázaro Macário, Agostinho, Monte, Nicolau, Redgers e Fragoso; no Rio de Janeiro, Loureiro, Mitovik e Ratcliff; e no Ceará o padre Gonçalo Mororó, Cel. Pessoa Anta, Azevedo Bolão, Silca Carapinima, Ibiapina e Feliciano; muitos outros que se achavam ausentes foram condenados à morte, banidos, concedendo-se direito a qualquer pessoa do povo de os poder matar livremente.

De todos esses mártires vos tendes esquecido (***)


José Domingues Codeceira
Recife, Diário de Pernambuco de 20 de março de 1892


[Do arquivo do blog anterior]
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